quarta-feira, 3 de junho de 2020

O CUIDADO DESEMPENHADO POR MULHERES NOS TEMPOS DE PANDEMIA



Socialmente as mulheres assumem a responsabilidade do cuidado com a saúde dos indivíduos, trata-se de um trabalho elementar para o desenvolvimento social, econômico e político. Tal desenvolvimento não se justifica, senão para prover os indivíduos de bens de consumo e serviços essenciais à existência humana, inclusive à saúde. A saúde proporciona ao ser humano a força necessária para realização da existência nas suas diversas dimensões.  No entanto, muito nos chama a atenção de como o cuidado é comumente visto como algo inerente à biologia feminina e não como um processo histórico. Mais interessante ainda é como esse trabalho de cuidar, tão essencial para a reprodução da existência humana, não se valoriza como tal. No máximo, é visto como caridade ou altruísmo e suas executoras como heroínas ou mártires que por obrigação devem colocar esse cuidado acima de seus próprios interesses, acima de sua própria existência.
No atual contexto de pandemia pelo coronavírus (COVID-19/ SARS-COV-2), o cuidado feminino com a saúde da população se coloca em evidência devido ao forte impacto econômico desta doença, especialmente nas camadas mais fragilizadas pela pobreza e falta de recursos para a promoção e prevenção da saúde, bem como no cuidado de doenças agudas e crônicas e suas complicações (especialmente idosos), e até mesmo para a parcela que necessita de maior proteção para o seu pleno desenvolvimento (crianças e adolescentes). Quem está na linha de frente no combate a essa pandemia, tem que se submeter a jornadas de trabalhos exaustivas, muitas vezes por 24 horas. Sem contar na exposição ao vírus, sobretudo por que muitos hospitais estão sem os devidos equipamentos de proteção individual. Com relação a isso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas, por meio da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, colocou-se à disposição dos sindicatos que representam médicos, odontologistas, enfermeiros e auxiliares, e técnicos de enfermagem para receber demandas de descumprimento de proteção à saúde do trabalhador.  No relatório elaborado pela ONU “Mulheres no centro da luta contra a crise do COVID-19”, é destacado que a pandemia afeta de maneira significativa a vida das mulheres em inúmeros aspectos. Mas neste texto trazemos alguns recortes em relação ao trabalho feminino em saúde, especificamente de países em desenvolvimento, pois:
- Apesar de 70% da força de trabalho no setor saúde ser composta por mulheres, o que as expõe a um maior risco de infecção, as mulheres não chegam nem a 30% nas esferas de poder de decisão sobre politicas e recursos no enfrentamento da pandemia. 
- Somos nós mulheres trabalhadoras da saúde que temos que lidar com o contexto da falta de equipamentos de proteção (EPIs) adequados x jornadas exaustivas de trabalho colocando em risco a nossa saúde e de nossos familiares. 
- Mulheres são maioria em vários setores de empregos informais, principalmente relacionados ao cuidado, como trabalhadoras domésticas e cuidadoras de idosos, o que significa maior exposição e menor proteção social contra o desemprego, decorrente do isolamento social necessário para achatar a curva de contaminação pelo vírus.
- No contexto do cuidado em saúde dentro do ambiente doméstico, a mulher, mesmo que não seja profissional de saúde, se vê sobrecarregada com inúmeros outros afazeres, além do cuidado dos familiares afetados pela pandemia, tais como o home office, a educação dos filhos, trabalhos domésticos, sendo a sua saúde colocada em último lugar o que aumenta o risco de adoecimento não só físico, mas mental.
- Contribui para o agravamento deste quadro a maior exposição da mulher à violência doméstica dos companheiros, o que já era considerado uma epidemia crescente, pois suas sequelas físicas e emocionais também são demandas em serviços de saúde, o que agora no contexto de pandemia acaba sendo invizibilizado.




Aqui em Alagoas, mais de 191 profissionais da saúde foram afastados dos seus trabalhos por estarem com suspeita de contaminação do vírus. Por uma questão de protocolo de saúde, muitos estão afastados dos seus familiares, completamente isolados. No mês de Maio houve a primeira morte de um profissional da saúde, uma mulher, enfermeira. Preocupado com o avanço da pandemia e com a segurança dos profissionais de saúde, o Conselho Regional de Enfermagem de Alagoas (Coren-AL) enviou documento ás autoridades recomendando que sejam afastados os profissionais de enfermagem que são do grupo de risco. O documento destaca que esses profissionais podem desempenhar suas atividades na modalidade de teletrabalho ou devem ser realocados para ambientes que ofereçam menos riscos.
Enxergando todas essas questões, seguem algumas sugestões:
- É preciso que nos organizarmos politicamente para fiscalizar o emprego de verbas na contratação de mão de obra na área da saúde e aquisição de EPIs para as trabalhadoras, bem como recursos e infraestrutura adequados para o atendimento às vítimas do coronavírus.
- É preciso pressionar as chefias e gestores de estabelecimentos de saúde para a adequação de escalas de trabalho, no sentido de diminuir a exposição e a sobrecarga de trabalho entre as profissionais.
- É preciso pressionar as instituições para aquisição de EPIs adequados, fazendo valer a ética profissional, e a negação de assistência aos pacientes, se for o caso, devido ao risco de exposição. Isso parece extremo, mas é desumano como não só os gestores e chefias, mas também as próprias colegas de profissão julgam a moral e a capacidade técnica da profissional de saúde que se recusa a se expor em situações como essa, como se a profissional fosse obrigada a colocar sua vida em segundo plano.
- É preciso exigir valorização profissional, sem o equívoco de campanhas publicitárias romantizadas, mas construindo espaços com equidade, para que todas as categorias profissionais e os gêneros dentro dos serviços de saúde, possam assumir os cargos de gestão que são majoritariamente assumidos por médicos homens. Além disso é preciso que haja valorização financeira dos profissionais de saúde como um todo, não somente de médicos, pois ainda há quem tire do próprio bolso a compra de EPIs e insumos para poder trabalhar protegido.
- É preciso que as mulheres cuidadoras e idosas sejam prioridade nas políticas de distribuição de renda e incentivo à educação e emprego dentro da sociedade, por serem elas as que estão em maior vulnerabilidade social devido ao desemprego e subemprego consequentes do isolamento social.
Por todos esses motivos, nós mulheres, especialmente as trabalhadoras de saúde, temos que refletir e agir diante do nosso papel dentro da sociedade para que possamos ultrapassar essa situação de naturalização da desigualdade social e de gênero, e avançar no sentindo de valorização profissional do cuidado desempenhado por mulheres.

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