Socialmente as mulheres assumem
a responsabilidade do cuidado com a saúde dos indivíduos, trata-se de um
trabalho elementar para o desenvolvimento social, econômico e político. Tal
desenvolvimento não se justifica, senão para prover os indivíduos de bens de
consumo e serviços essenciais à existência humana, inclusive à saúde. A saúde
proporciona ao ser humano a força necessária para realização da existência nas
suas diversas dimensões. No entanto,
muito nos chama a atenção de como o cuidado é comumente visto como algo
inerente à biologia feminina e não como um processo histórico. Mais
interessante ainda é como esse trabalho de cuidar, tão essencial para a
reprodução da existência humana, não se valoriza como tal. No máximo, é visto
como caridade ou altruísmo e suas executoras como heroínas ou mártires que por
obrigação devem colocar esse cuidado acima de seus próprios interesses, acima
de sua própria existência.
No atual contexto de
pandemia pelo coronavírus (COVID-19/ SARS-COV-2), o cuidado feminino com a
saúde da população se coloca em evidência devido ao forte impacto econômico
desta doença, especialmente nas camadas mais fragilizadas pela pobreza e falta
de recursos para a promoção e prevenção da saúde, bem como no cuidado de
doenças agudas e crônicas e suas complicações (especialmente idosos), e até
mesmo para a parcela que necessita de maior proteção para o seu pleno
desenvolvimento (crianças e adolescentes). Quem está na
linha de frente no combate a essa pandemia, tem que se submeter a jornadas de
trabalhos exaustivas, muitas vezes por 24 horas. Sem contar na exposição ao
vírus, sobretudo por que muitos hospitais estão sem os devidos equipamentos de
proteção individual. Com relação a isso, o Ministério Público do Trabalho (MPT)
em Alagoas, por meio da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho,
colocou-se à disposição dos sindicatos que representam médicos, odontologistas,
enfermeiros e auxiliares, e técnicos de enfermagem para receber demandas de
descumprimento de proteção à saúde do trabalhador. No relatório elaborado pela ONU
“Mulheres no centro da luta contra a crise do COVID-19”, é destacado que a
pandemia afeta de maneira significativa a vida das mulheres em inúmeros
aspectos. Mas neste texto trazemos alguns recortes em relação ao trabalho
feminino em saúde, especificamente de países em desenvolvimento, pois:
- Apesar de 70% da força de
trabalho no setor saúde ser composta por mulheres, o que as expõe a um maior
risco de infecção, as mulheres não chegam nem a 30% nas esferas de poder de
decisão sobre politicas e recursos no enfrentamento da pandemia.
- Somos nós mulheres
trabalhadoras da saúde que temos que lidar com o contexto da falta de
equipamentos de proteção (EPIs) adequados x jornadas exaustivas de trabalho
colocando em risco a nossa saúde e de nossos familiares.
- Mulheres são maioria em
vários setores de empregos informais, principalmente relacionados ao cuidado,
como trabalhadoras domésticas e cuidadoras de idosos, o que significa maior
exposição e menor proteção social contra o desemprego, decorrente do isolamento
social necessário para achatar a curva de contaminação pelo vírus.
- No contexto do cuidado em
saúde dentro do ambiente doméstico, a mulher, mesmo que não seja profissional
de saúde, se vê sobrecarregada com inúmeros outros afazeres, além do cuidado
dos familiares afetados pela pandemia, tais como o home office, a educação dos
filhos, trabalhos domésticos, sendo a sua saúde colocada em último lugar o que
aumenta o risco de adoecimento não só físico, mas mental.
- Contribui para o
agravamento deste quadro a maior exposição da mulher à violência doméstica dos
companheiros, o que já era considerado uma epidemia crescente, pois suas
sequelas físicas e emocionais também são demandas em serviços de saúde, o que
agora no contexto de pandemia acaba sendo invizibilizado.
Aqui em Alagoas,
mais de 191 profissionais da saúde foram afastados dos seus trabalhos por
estarem com suspeita de contaminação do vírus. Por uma questão de protocolo de
saúde, muitos estão afastados dos seus familiares, completamente isolados. No
mês de Maio houve a primeira morte de um profissional da saúde, uma mulher,
enfermeira. Preocupado com o avanço da pandemia e com a segurança dos
profissionais de saúde, o Conselho Regional de Enfermagem de Alagoas (Coren-AL)
enviou documento ás autoridades recomendando que sejam afastados os
profissionais de enfermagem que são do grupo de risco. O documento destaca que
esses profissionais podem desempenhar suas atividades na modalidade de
teletrabalho ou devem ser realocados para ambientes que ofereçam menos riscos.
Enxergando todas
essas questões, seguem algumas sugestões:
- É preciso que nos
organizarmos politicamente para fiscalizar o emprego de verbas na contratação
de mão de obra na área da saúde e aquisição de EPIs para as trabalhadoras, bem
como recursos e infraestrutura adequados para o atendimento às vítimas do
coronavírus.
- É preciso pressionar as
chefias e gestores de estabelecimentos de saúde para a adequação de escalas de
trabalho, no sentido de diminuir a exposição e a sobrecarga de trabalho entre
as profissionais.
- É preciso pressionar as
instituições para aquisição de EPIs adequados, fazendo valer a ética
profissional, e a negação de assistência aos pacientes, se for o caso, devido
ao risco de exposição. Isso parece extremo, mas é desumano como não só os
gestores e chefias, mas também as próprias colegas de profissão julgam a moral
e a capacidade técnica da profissional de saúde que se recusa a se expor em
situações como essa, como se a profissional fosse obrigada a colocar sua vida
em segundo plano.
- É preciso exigir
valorização profissional, sem o equívoco de campanhas publicitárias
romantizadas, mas construindo espaços com equidade, para que todas as
categorias profissionais e os gêneros dentro dos serviços de saúde, possam
assumir os cargos de gestão que são majoritariamente assumidos por médicos homens.
Além disso é preciso que haja valorização financeira dos profissionais de saúde
como um todo, não somente de médicos, pois ainda há quem tire do próprio bolso
a compra de EPIs e insumos para poder trabalhar protegido.
- É preciso que as mulheres
cuidadoras e idosas sejam prioridade nas políticas de distribuição de renda e
incentivo à educação e emprego dentro da sociedade, por serem elas as que estão
em maior vulnerabilidade social devido ao desemprego e subemprego consequentes
do isolamento social.
Por todos esses motivos, nós
mulheres, especialmente as trabalhadoras de saúde, temos que refletir e agir
diante do nosso papel dentro da sociedade para que possamos ultrapassar essa
situação de naturalização da desigualdade social e de gênero, e avançar no
sentindo de valorização profissional do cuidado desempenhado por mulheres.
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