quarta-feira, 8 de março de 2023

8 DE MARÇO TAMBÉM É DIA DE LUTA! O PL da Tortura e a revitimização de mulheres e meninas que optam pelo aborto legal.


Esta semana, especialmente no dia 08 de março, a luta das mulheres por emancipação nas mais diversas esferas da vida pública e privada e o devido reconhecimento da nossa autonomia, liberdade e independência completa 106 anos. Ao contrário do que as grandes organizações econômicas e políticas orquestradas pelo patriarcado nos querem fazer acreditar, o dia 8 de março nunca deve ser um dia de celebração, mas sim um dia de fortalecer as lutas das mulheres, um dia para relembrar que nada está garantido e a luta é nossa única alternativa, porque não podemos nunca enfraquecer diante dos ataques aos nossos direitos já conquistados, nem na busca por todos os direitos possíveis. Não esqueçamos que quando uma sociedade avança em políticas de retirada de direitos, são os direitos das mulheres os primeiros a serem ameaçados.

Em Maceió, o que temos visto ultimamente são os efeitos de um governo pautado na propagação de ideologias violentas e do fundamentalismo religioso que está enraizado nas instituições e que faz parte da construção do estado e da nossa sociedade. Recentemente a câmara de vereadores de Maceió inescrupulosamente aprovou o texto do projeto de lei (PL) de autoria do vereador Leonardo Dias e defendido pela vereadora Gaby Ronalsa, que vem revitimizar a mulher que opta pelo aborto legal, o conhecido “PL da Tortura”. Isto porque o PL, apoiado por um movimento de intenções duvidosas autodenominado “PRÓ-VIDA”,  busca desencorajar o aborto mesmos nos casos permitidos por lei, onde os benefícios superam os malefícios, tais como: violência sexual, anencefalia e nos casos em que a mulher possui risco de vida, fazendo-a ouvir com ênfase de forma repetitiva sobre os aspectos negativos do procedimento, colocando a culpa na mulher e o peso da responsabilidade pela situação de vulnerabilidade que a gestação lhe coloca nestas circunstâncias. 

Como já é estratégia dos discursos dos grupos fundamentalistas religiosos e fanáticos, a distorção das pautas e falas dos movimentos sociais e feministas é uma ferramenta muito utilizada nos dias de hoje, além do uso de dados mentirosos, e dos ataques à produção científica. Nesse sentido, o movimento feminista em Alagoas representado por suas diversas organizações compareceram na audiência pública ocorrida no dia 06 de Março para discutir a revitimização da mulher que opta pelo aborto legal e discutir também o chamado o "PL da Tortura" aprovado na câmara de vereadores de Maceió, às vésperas do dia que marca historicamente a luta das mulheres no nosso país. 

Durante a audiência, além de dizerem que os movimentos sociais e as feministas estariam "trabalhando para estupradores" ao criticar o PL, foi dito inúmeras vezes que estávamos querendo omitir informações de saúde para mulheres e meninas no atendimento médico quando procurassem o aborto já garantido em lei. Mas o que escondem por trás dessa fala é que, quem tem o histórico de omitir informações são as tais bancadas religiosas que se enraizaram nas instituições, que tentam impedir a todo custo que a informação chegue a mulheres e meninas, sob argumentos vazios de que há uma "ideologia de gênero" infiltrada nas escolas. São vocês que tentam impedir que crianças e adolescentes tenham acesso a educação de qualidade, educação que trate da prevenção e combate à violência sexual, e da informação acerca de seus direitos reprodutivos. 

Nós feministas não desejamos omitir nada, inclusive apoiamos que qualquer informação desejada pelas pessoas a serem submetidas a esses procedimentos, seja dada para elas, assim como em qualquer outro procedimento de saúde. No entanto, já é previsto no atendimento dos profissionais de saúde às gestantes e familiares a obrigatoriedade do esclarecimento das informações relacionadas a riscos e benefícios à saúde, envolvendo procedimentos médicos-hospitalares, incluindo o aborto legal, tal como destacado pela própria médica do grupo Pró Vida presente na audiência, quando ao falar do código de ética médica disse que "é vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte." Sendo assim, qual seria a necessidade do PL tratado nesta audiência? Nenhuma! Podemos enfim rasgá-lo então.

Como foi dito falsamente durante a audiência, o desejo do PL em questão não é empoderar mulheres lhes dando informação, isso não passa de um artifício para esconder sua real proposição: o controle dos nossos corpos, a coerção de mulheres e meninas que buscam seus direitos em momentos em que estão extremamente vulneráveis após sofrer uma violência, impedir o avanço de pautas que visam garantir o acesso de mulheres e meninas à direitos reprodutivos e sexuais, e infiltrar suas ideologias e seus princípios religiosos em questões de segurança e saúde pública. Nossos corpos não são sua propriedade!

Onde estavam os grupos pró vida quando, de acordo com o Mapa da Violência Contra a Mulher pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, "18,6 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica e/ou sexual no último ano", num equivalente a 50.962 casos diários. Ressaltam-se dois dados importantes desse relatório: desses 18, 6 milhões de mulheres citadas acima, 43,9% têm entre 16 e 24 anos. Outro dado relevante é o aumento dos casos de violência no último ano comparado com o último relatório feito em 2021, mostrando um crescimento nos casos de violência contra a mulher, saindo do número de 24,4% para 28,9% no relatório de 2023, de brasileiras que sofreram com assédio, insultos, xingamentos, espancamentos, ameaças com arma de fogo, entre outros tipos de violências. 

Podemos identificar facilmente onde estavam esses grupos pró vida enquanto essas mulheres eram violentadas. Estavam em suas igrejas, grupos de oração e gabinetes, articulando projetos para revitimizar mulheres e meninas. Estavam na porta de um hospital em Recife chamando de assassina uma menina de 10 anos de idade que havia sido estuprada diversas vezes pelo tio e engravidado, e após ser revitimizada pelo estado em que morava ao ter negado seu direito à interrupção da gestação, teve que se deslocar para outro estado para garantir que recebesse o devido atendimento e acolhimento de saúde. Isso sim é uma violação à dignidade de mulheres e meninas!

Na audiência pública do dia 06 de março, os movimentos sociais e as feministas foram muito criticados por usar algumas palavras, a exemplo do termo patriarcado. Não devemos nunca esquecer que o patriarcado não é uma figura que vive no imaginário, impalpável, e distante. O patriarcado é uma estrutura que se aparelha no estado de forma violenta, garantindo a manutenção de suas opressões através da violação diária dos corpos, existências e vivências de mulheres e meninas cis e trans. Esse projeto de lei e essa audiência pública são exemplos claros de como as estruturas do patriarcado se movimentam, pautas de saúde pública sendo utilizadas como palanque eleitoral. 

Por outro lado também fomos repreendidas diversas vezes ao usarmos termo aborto legal, pois  de acordo com os interesses dos defensores do PL, o que trata o artigo 128 do Código Penal e a ADPF 54, é apenas uma não punição contra o aborto, não devendo garantir a segurança da vida da mulher durante o procedimento. Independente de leitura de lei, é urgente então pautarmos o seguinte: Não recuaremos em nenhum direito adquirido, e continuaremos lutando pelo direito de todas mulheres aos seus corpos, pelo acesso digno à saúde e educação sexual, pelo acesso a métodos contraceptivos, PELA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO, pela maternidade ativa, e pelo acesso à serviços humanizados e livres de violências obstétricas e institucionais.

Dia 8 de Março também é DIA DE LUTA! Não recuaremos! 

MULHERES RESISTEM!

segunda-feira, 28 de junho de 2021

POR QUE O PL 11/2021, APOIADO PELOS VEREADORES DE MACEIÓ, É UM ATENTADO CONTRA A VIDA DE MULHERES E MENINAS?

Nas últimas semanas na Câmara de Vereadores de Maceió tem sido discutido o Projeto de Lei 11/2021 da vereadora Gaby Ronalsa (DEM), o PL do “Dia do Nascituro” e da “Semana da Vida”, uma proposta de Lei absurda e inconstitucional, que vem para violentar mulheres e meninas, e ameaçar seus Direitos Reprodutivos já conquistados.

De acordo com informações do portal de jornalismo independente Mídia Caeté, o projeto de lei propõe possibilitar a realização de campanhas contra o aborto, inclusive contra situações que já são previstas em lei, como em casos de mulheres e meninas vítimas de estupro, gestantes sob risco de vida e em casos de fetos anencefálicos, e executar essas campanhas em escolas, postos de saúde e outros espaços públicos.

Esse tipo projeto de lei não é novidade para os movimentos de mulheres de Alagoas e do Brasil, já que ele faz parte da política criminosa e conservadora do governo Bolsonaro. Além disso sabemos que em situações de retiradas de direitos, como são as práticas cotidianas desse desgoverno, os direitos das mulheres costumam estar sempre ameaçados. O ministério de Damares Alves, as bancadas da bíblia espalhadas pelo país, e os movimentos conservadores pró-vida, estão sempre dispostos a promover novos ataques aos direitos reprodutivos de mulheres e meninas, e pouco interessados com suas vidas e com sua segurança.

Segundo o artigo 128 do Código Penal e a ADPF 54, é garantido o direito ao aborto seguro no Brasil nos seguintes casos: se a gravidez é decorrente de estupro; se a gravidez representar risco de vida à mulher; e se for caso de anencefalia fetal, ou seja, não há desenvolvimento cerebral do feto. Qualquer hospital que ofereça serviços de ginecologia e obstetrícia deve ter equipamento adequado e equipe treinada para realizar abortos nessas situações. Esses dados são do Mapa Aborto Legal, uma iniciativa da ARTIGO 19, uma organização não-governamental de direitos humanos. O mapa propõe monitorar, centralizar e compartilhar informações públicas sobre aborto legal, como legislação e os estabelecimentos do SUS que oferecem o procedimento.

O PL da vereadora de Maceió Gaby Ronalsa, que propõe a instituição do “Dia do Nascituro” e da “Semana da Vida” é completamente inconstitucional, tendo em vista que ataca vários princípios da Constituição Federal. Esse projeto tem referências na Lei Estadual nº 8127/2019 do deputado Dudu Ronalsa (PSDB), que estabelece o Dia do Nascituro em Alagoas, e no PL 478/2007 o “Estatuto do Nascituro” dos Deputados Federais Luiz Bassuma (na época no PT) e  Miguel Martini (na época PSB), dois mecanismos que propõem uma narrativa de “proteção da vida”, mas que na verdade compõem ferramentas de morte de mulheres e meninas. O projeto da vereadora de Maceió ataca a Constituição Federal ao ir de encontro ao Estado Laico, pois pretende a articulação de ações de campanha do município de Maceió com Igrejas, promovendo pregação religiosa dentro de escolas e outros espaços públicos, desfazendo assim a separação entre Estado e Religião, e acima de tudo, ataca o princípio de prioridade na proteção de crianças e adolescentes contra violência, abuso e exploração sexual.

Dados do ano passado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reportam que somente no primeiro semestre de 2020, foram registrados 25.922 casos de estupro no Brasil, desses casos 22.573 das vítimas eram do sexo feminino. Esse mesmo relatório trata dos casos de estupro de vulnerável e apresenta que no primeiro semestre de 2020, cerca de 14.959 meninas menores de 14 anos foram vítimas de estupro.

Em agosto de 2020 foi amplamente divulgado o caso de uma criança de 10 anos do Espírito Santo que engravidou após ser violentada por um tio desde os 6 anos de idade. A criança, que há 4 anos era vítima de violência sexual, foi violentada novamente, constrangida e violada ao ser exposta na mídia e ter sua vida de menina de 10 anos transformada em palanque político pela ministra Damares e seus cúmplices dentro e fora do governo. Após passar por um processo de revitimização e quase ter seu direito ao aborto seguro e legal negado, a criança teve que mudar de estado para que seus direitos fossem garantidos. Essa infelizmente é a realidade de milhares de meninas vítimas de violência sexual diariamente, e é o direito dessas meninas que também tem sido atacado no projeto de lei da vereadora de Maceió.

O PL 11/2021 propõe impedir que as mulheres acessem seus direitos, constranger, intimidar e violentar mulheres e meninas que foram vítimas de violência sexual, ou que se enquadrem nos outros casos previstos no artigo 128 do Código Penal e na ADPF 54, e promove também deseducação no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes, tendo em vista que hostiliza e expõe meninas que estão sendo vítimas de violência, invalidando inciativas de educação sexual que orientam as crianças sobre os caminhos para pedir ajuda em caso de violência sexual.

Um dos princípios do Coletivo Mulheres Resistem, presente em nossa Base de Acordo, trata do direito da mulher à sua saúde. Nós defendemos o direito de todas as mulheres aos seus corpos, que todas tenham acesso digno à saúde, tenham o direito de contar com todos os recursos disponíveis para não engravidar, o direito à uma educação em saúde autônoma e libertadora que lhes garanta informação, que quando as mulheres desejarem engravidar tenham acesso à serviços humanizados e livres de violências obstétricas e institucionais, e defendemos também a descriminalização do aborto. Sabemos que mulheres abortam, a criminalização do aborto não impede que as mulheres o façam, mas sustenta uma realidade em que ele aconteça em situações precárias, e de risco à vida dessas mulheres. Defendemos a descriminalização do aborto para que mulheres pobres não morram diariamente.

Nossa luta é pelo fortalecimento de políticas públicas de saúde voltadas à educação sexual e reprodutiva, de modo que as mulheres adquiram conhecimento sobre seu corpo e sua sexualidade. Ainda mais, é preciso lutar cotidianamente e coletivamente contra a cultura machista e patriarcal que domina nossa sociedade, e contra os ataques frequentes aos nossos direitos, Mulheres Resistem!

 

Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020:

https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/02/anuario-2020-final-100221.pdf

Artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940:

https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/busca?q=Art.+128+do+C%C3%B3digo+Penal+-+Decreto+Lei+2848%2F40

Dia do Nascituro e as campanhas contra o aborto previsto em lei

https://midiacaete.com.br/dia-do-nascituro-pretende-incluir-campanhas-contra-o-aborto-em-casos-previstos-em-lei/

Lei Estadual nº 8127/2019 do Dia do Nascituro

https://sapl.al.al.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2019/1622/promulgacao_lei_8127-2019.pdf

Mapa Aborto Legal:

https://mapaabortolegal.org/

PL do Dia do Nascituro: discussão tem boneco de feto, ofensa a feministas, e termina com pedido de vistas

https://midiacaete.com.br/pl-do-dia-do-nascituro-discussao-tem-boneco-de-feto-ofensa-a-feministas-e-termina-com-pedido-de-vistas/

PL 478/2007 do Estatuto do Nascituro:

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=345103

 

sábado, 25 de julho de 2020

As mulheres pretas e a luta cotidiana, uma memória ao dia 25 de Julho, Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, e Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha.

O processo de escravidão iniciado a partir da colonização do Brasil foi marcado pela objetificação e mercantilização de homens e mulheres pretas, sendo instituído todo um sistema de dominação e exploração de sua força de trabalho e de suas vidas. Esse mesmo sistema construiu e determinou nossa identidade nacional, que é o total oposto da suposta ideia de existência de uma “democracia racial” na sociedade brasileira.

No período colonial, a exploração dos corpos das mulheres pretas, ia muito além de mão de obra de trabalho escravo, essas mulheres sofriam violência sexual, eram obrigadas a abandonar seus filhos, entre tantas outras violências. A construção histórica da identidade da mulher preta e a violência sexual perpetrada no período colonial refletem o modo como as relações de gênero e raça configuram-se atualmente. As relações sociais em nossa sociedade, ainda retratam o período da escravidão.

Mulheres pretas ainda exercem trabalhos mal remunerados e com péssimas condições de trabalho, além de ocuparem a maior fração do mercado de trabalho informal e as fileiras do desemprego; mulheres pretas fazem parte de uma parcela pobre, periférica e oprimida da nossa sociedade, com maior dificuldade de acesso à educação e à cultura; mulheres pretas sofrem muito mais com a normatização de um ideal de beleza eurocêntrico imposto, que violenta os corpos dessas mulheres, e carrega um estereótipo de beleza que afeta o modo como a mulher preta se enxerga, afeta seu pertencimento e sua identidade de descendência, forçando mudanças visuais e estéticas para que essa mulher passe por um processo de embranquecimento para enquadrar- se e ser aceita socialmente, em suas relações afetivas, até o processo de entrada no mercado de trabalho; mulheres pretas têm que ver seus filhos e companheiros mortos pela política genocida do estado; mulheres pretas são as maiores vítimas de violência doméstica, de violências sexuais e feminicídios; mulheres pretas trans, travestis, lésbicas, lgbtqia+ estão no topo dos índices de pessoas assassinadas. 

A luta das mulheres pretas tem questões que o feminismo eurocêntrico ainda não conseguiu se apropriar e conceber forças e meios de luta para o combate às explorações e opressões contra as mulheres. A luta das mulheres pretas ultrapassa a luta contra a opressão masculina, as mulheres pretas ainda precisam lutar contra o preconceito racial, contra a pobreza e a exploração, contra a homofobia e a transfobia, contra o extermínio de seus corpos, de seus filhos, contra jornadas de trabalho extenuantes e mal remuneradas. 

Assim, nos questionamos: que mulheres foram favorecidas pelas conquistas feministas na sociedade brasileira?

Além de nos debruçar sobre a variável gênero e a busca pela superação da construção histórica da dominação masculina, devemos articular e unir nossas forças em uma luta que esteja atravessada por elementos de classe, raça e sexualidade. Só seremos libertas da opressão se todos os tipos de opressão forem eliminados. Só quando entendermos que existem formas complementares de dominação e exploração que dão corpo e fortalecem a opressão de gênero vivida cotidianamente pelas mulheres, podemos alcançar a real unidade na luta. A liberdade da mulher só virá com a libertação humana!

Esse texto é uma lembrança de luta em referência ao Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, e ao Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha, 25 de Julho, um dia de trazer visibilidade e fortalecer a luta das mulheres. Na resistência e na luta do povo preto no Brasil, é inegável o protagonismo e a importância da mulher preta na luta contra a escravidão e na formação dos quilombos. Resgatar o papel histórico da mulher preta na luta por uma sociedade mais justa, igualitária e livre de opressões é fundamental para o fortalecimento da luta feminista no Brasil. 

MULHERES RESISTEM! 

quarta-feira, 17 de junho de 2020

LEI MARIA DA PENHA

O texto que vamos compartilhar hoje, foi produzido para um debate sobre violência contra a mulher, organizado pelo Mulheres Resistem, que aconteceu na sede da Resistência Popular Alagoas no ano passado, e tem como proposta a apresentação da Lei Maria da Penha.

Lei de nº 11.340/2006 Lei Maria da Penha.

A Lei de nº 11.340/2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica contra mulher, é conhecida como Lei Maria da Penha. Pra contextualizar a situação acerca da Lei, vamos conhecer um pouco da história da própria Maria da Penha.

Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica bioquímica que foi vítima de violência doméstica por 23 anos. Após a segunda tentativa de homicídio realizada por seu marido, quando já se encontrava paraplégica em virtude de um tiro disparado pelo mesmo, ela o denunciou. Após a denúncia, Maria da Penha sofreu o que muitas mulheres enfrentam nessa situação, o descaso e a incredulidade por parte da Justiça Brasileira. A defesa do agressor era sempre acerca de irregularidades processuais, e ele aguardava o julgamento em liberdade. O marido de Maria da Penha foi punido somente após 19 anos.

Além de escrever o livro “Sobrevivi… posso contar”, que narra as violências sofridas, Maria da Penha acionou organismos internacionais que tratavam da defesa dos direitos da mulher e dos direitos humanos, até que o Estado Brasileiro foi condenado por omissão e negligência pela Corte Interamericana de Direito Humanos da Organização dos Estados Americanos, quando o Brasil teve que se comprometer em reformular suas leis e políticas em relação à violência doméstica,  a partir daí que surgiu a lei que leva seu nome.

O primeiro aspecto da Lei Maria da Penha que vale a pena ressaltar é que o agressor não precisa ser necessariamente ao marido. O seu artigo 5º prevê que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial.

Essas ações podem acontecer: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

O agressor pode ser pai/mãe, irmão/irmã, tio/tia, marido, namorado, padrasto/madrasta, sogro/sogra, cunhado/cunhada ou agregados, desde que a vítima seja mulher.

Outro ponto importante diz respeito ao parágrafo único do referido artigo que ressalta: As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. De modo que a aplicação da lei Maria da Penha garante o mesmo atendimento para mulheres que estejam em relacionamento com outras mulheres. Além disso, recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu a aplicação da lei para mulheres transexuais. 

O segundo aspecto diz respeito ao fato que, a lei prevê um leque com vários tipos de violências domésticas, superando o entendimento de que violência se tratava apenas de violência física. O seu artigo 7º prevê como formas de violência: a violência física; a violência psicológica; a violência sexual; a violência patrimonial; a violência moral. Todos esses conceitos são devidamente explicados no referido artigo. 

O terceiro aspecto diz respeito a possibilidade de prisão preventiva do agressor em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal – conforme o artigo 20 da lei; além de não ser possível a substituição da pena por doação de cesta básica ou multas, conforme o art. 17.

Analisando as medidas penalistas, nas medidas protetivas de urgência, o artigo 22 prevê as seguintes medidas: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Ou seja, além da proteção à vítima e também de seus parentes, ainda existe a possibilidade de assistência econômica no caso da vítima ser dependente do agressor.

Essas medidas protetivas são requeridas perante o Juiz e esse tem um prazo de 48h para decidir sobre os pedidos apresentados.

Por fim, como último aspecto, nos artigos 29 e seguintes, da Lei Marinha da Penha, há a precisão de uma equipe multidisciplinar para tratar do caso, com profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Apesar de ser uma lei muito bem inscrita e que a maioria da população tem ciência da sua existência, mesmo que não tenha do seu conteúdo, temos que ter consciência de que o maior desafio atual é aplicar essas previsões legais no mundo real, e que a luta pelos direitos das mulheres deve ser constante.

Lugar de mulher é na luta, MULHERES RESISTEM!

 

 

 

 

 



quarta-feira, 3 de junho de 2020

O CUIDADO DESEMPENHADO POR MULHERES NOS TEMPOS DE PANDEMIA



Socialmente as mulheres assumem a responsabilidade do cuidado com a saúde dos indivíduos, trata-se de um trabalho elementar para o desenvolvimento social, econômico e político. Tal desenvolvimento não se justifica, senão para prover os indivíduos de bens de consumo e serviços essenciais à existência humana, inclusive à saúde. A saúde proporciona ao ser humano a força necessária para realização da existência nas suas diversas dimensões.  No entanto, muito nos chama a atenção de como o cuidado é comumente visto como algo inerente à biologia feminina e não como um processo histórico. Mais interessante ainda é como esse trabalho de cuidar, tão essencial para a reprodução da existência humana, não se valoriza como tal. No máximo, é visto como caridade ou altruísmo e suas executoras como heroínas ou mártires que por obrigação devem colocar esse cuidado acima de seus próprios interesses, acima de sua própria existência.
No atual contexto de pandemia pelo coronavírus (COVID-19/ SARS-COV-2), o cuidado feminino com a saúde da população se coloca em evidência devido ao forte impacto econômico desta doença, especialmente nas camadas mais fragilizadas pela pobreza e falta de recursos para a promoção e prevenção da saúde, bem como no cuidado de doenças agudas e crônicas e suas complicações (especialmente idosos), e até mesmo para a parcela que necessita de maior proteção para o seu pleno desenvolvimento (crianças e adolescentes). Quem está na linha de frente no combate a essa pandemia, tem que se submeter a jornadas de trabalhos exaustivas, muitas vezes por 24 horas. Sem contar na exposição ao vírus, sobretudo por que muitos hospitais estão sem os devidos equipamentos de proteção individual. Com relação a isso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas, por meio da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, colocou-se à disposição dos sindicatos que representam médicos, odontologistas, enfermeiros e auxiliares, e técnicos de enfermagem para receber demandas de descumprimento de proteção à saúde do trabalhador.  No relatório elaborado pela ONU “Mulheres no centro da luta contra a crise do COVID-19”, é destacado que a pandemia afeta de maneira significativa a vida das mulheres em inúmeros aspectos. Mas neste texto trazemos alguns recortes em relação ao trabalho feminino em saúde, especificamente de países em desenvolvimento, pois:
- Apesar de 70% da força de trabalho no setor saúde ser composta por mulheres, o que as expõe a um maior risco de infecção, as mulheres não chegam nem a 30% nas esferas de poder de decisão sobre politicas e recursos no enfrentamento da pandemia. 
- Somos nós mulheres trabalhadoras da saúde que temos que lidar com o contexto da falta de equipamentos de proteção (EPIs) adequados x jornadas exaustivas de trabalho colocando em risco a nossa saúde e de nossos familiares. 
- Mulheres são maioria em vários setores de empregos informais, principalmente relacionados ao cuidado, como trabalhadoras domésticas e cuidadoras de idosos, o que significa maior exposição e menor proteção social contra o desemprego, decorrente do isolamento social necessário para achatar a curva de contaminação pelo vírus.
- No contexto do cuidado em saúde dentro do ambiente doméstico, a mulher, mesmo que não seja profissional de saúde, se vê sobrecarregada com inúmeros outros afazeres, além do cuidado dos familiares afetados pela pandemia, tais como o home office, a educação dos filhos, trabalhos domésticos, sendo a sua saúde colocada em último lugar o que aumenta o risco de adoecimento não só físico, mas mental.
- Contribui para o agravamento deste quadro a maior exposição da mulher à violência doméstica dos companheiros, o que já era considerado uma epidemia crescente, pois suas sequelas físicas e emocionais também são demandas em serviços de saúde, o que agora no contexto de pandemia acaba sendo invizibilizado.




Aqui em Alagoas, mais de 191 profissionais da saúde foram afastados dos seus trabalhos por estarem com suspeita de contaminação do vírus. Por uma questão de protocolo de saúde, muitos estão afastados dos seus familiares, completamente isolados. No mês de Maio houve a primeira morte de um profissional da saúde, uma mulher, enfermeira. Preocupado com o avanço da pandemia e com a segurança dos profissionais de saúde, o Conselho Regional de Enfermagem de Alagoas (Coren-AL) enviou documento ás autoridades recomendando que sejam afastados os profissionais de enfermagem que são do grupo de risco. O documento destaca que esses profissionais podem desempenhar suas atividades na modalidade de teletrabalho ou devem ser realocados para ambientes que ofereçam menos riscos.
Enxergando todas essas questões, seguem algumas sugestões:
- É preciso que nos organizarmos politicamente para fiscalizar o emprego de verbas na contratação de mão de obra na área da saúde e aquisição de EPIs para as trabalhadoras, bem como recursos e infraestrutura adequados para o atendimento às vítimas do coronavírus.
- É preciso pressionar as chefias e gestores de estabelecimentos de saúde para a adequação de escalas de trabalho, no sentido de diminuir a exposição e a sobrecarga de trabalho entre as profissionais.
- É preciso pressionar as instituições para aquisição de EPIs adequados, fazendo valer a ética profissional, e a negação de assistência aos pacientes, se for o caso, devido ao risco de exposição. Isso parece extremo, mas é desumano como não só os gestores e chefias, mas também as próprias colegas de profissão julgam a moral e a capacidade técnica da profissional de saúde que se recusa a se expor em situações como essa, como se a profissional fosse obrigada a colocar sua vida em segundo plano.
- É preciso exigir valorização profissional, sem o equívoco de campanhas publicitárias romantizadas, mas construindo espaços com equidade, para que todas as categorias profissionais e os gêneros dentro dos serviços de saúde, possam assumir os cargos de gestão que são majoritariamente assumidos por médicos homens. Além disso é preciso que haja valorização financeira dos profissionais de saúde como um todo, não somente de médicos, pois ainda há quem tire do próprio bolso a compra de EPIs e insumos para poder trabalhar protegido.
- É preciso que as mulheres cuidadoras e idosas sejam prioridade nas políticas de distribuição de renda e incentivo à educação e emprego dentro da sociedade, por serem elas as que estão em maior vulnerabilidade social devido ao desemprego e subemprego consequentes do isolamento social.
Por todos esses motivos, nós mulheres, especialmente as trabalhadoras de saúde, temos que refletir e agir diante do nosso papel dentro da sociedade para que possamos ultrapassar essa situação de naturalização da desigualdade social e de gênero, e avançar no sentindo de valorização profissional do cuidado desempenhado por mulheres.