quinta-feira, 25 de agosto de 2011

[Contribuição] Da necessidade de saber ser violent@

Coletivo Wendo Recife

A palavra feminismo causa, muitas vezes, terror em nosso entorno. Já nos imaginam mulheres loucas, “com um parafuso a menos”, matando todos os homens e impondo-nos à força ao mundo todo. “Matriarcado!”, dizem. Ou, que as injustiças seriam as mesmas, só que ao contrário: “em lugar do machismo, passará a existir o femismo” – a supremacia das fêmeas para escravizar os machos! “Me poupem, diríamos”!
Diz-se ainda que não ganhamos nada por sermos feministas, pois o mundo foi, é e sempre será assim; que o melhor a fazer é conformarmo-nos e aceitarmos o nosso papel de mulher, sendo feliz com ele: um modelo consumista que além de manter e aumentar desigualdades econômicas, produz e sacraliza feminilidades e masculinidades. Saber cuidar bem das crianças; ser amável e afetuosa; não levantar a voz; cruzar as pernas; cozinhar bem; saber obedecer ao homem da casa (e aos demais homens na sociedade) etc.; bem como, falar grosso, não chorar ou expressar sentimentos dóceis, não sentir medos, demonstrar autoridade, prover a família, são exemplos de feminilidades e masculinidades (re)produzidas e muito bem sacralizadas em nossa sociedade.
A educação que recebemos nos ensina, tanto aos homens quanto às mulheres, a acatar ordens, obedecer, aceitar o estabelecido e participar disso com grande vontade e entusiasmo. Ensina-nos que assim é o mundo contemporâneo; que para isto tem progredido a humanidade e que a ordem presente é a melhor que já existiu e que existirá... A ordem, nas sociedades ocidentais, impõe-nos como figura hierarquicamente superior, o homem branco, rico, heterossexual; discrimina e vitimiza quaisquer indivíduo que não se ajuste a estes critérios.
O modelo educacional contemporâneo, aquele que treina para a obediência, à conformidade e ao controle social, participa e incentiva a manutenção de uma sociedade estratificada e desigual, cujas normas se sustentam em diferentes formas de dominação, que se estendem desde abordagens truculentas de policiais, a programas de televisão durante os ditos “horários nobres”; dos corpos às ideias e das ideias aos indivíduos.
Há vários séculos que, tanto as teorias quanto as práticas militantes demonstram a importância e a necessidade da ação direta, tendo como perspectiva a oposição a quaisquer formas de dominação. Agir diretamente é fundamental para a aquisição de direitos, para explicitar o respeito que não nos é dado. É a base de todos os grandes logros sociais e ninguém, nunca, inclusive nos meios mais conservadores, ousaria dizer que com ela nada se consegue.
Ação direta não é necessariamente matar alguém, ou jogar um coquetel molotov em um grupo de policiais. A ação direta é, e sempre têm sido exercida. Ela consiste no simples ato de levantar a voz quando não se está de acordo; consiste em se defender, em não se deixar atropelar. Ação direta é saber dizer “NÃO!” quando se quer dizer não, e “SIM!” quando se quer dizer sim. Mas, sem dúvidas, o caminho é longo: se quando os “homens normais” se atrevem a lutar pelos seus direitos, estes lhes são tirados, piora quando se trata de gente que luta contra uma das desigualdades mais enraizadas na nossa sociedade: aquela baseada nas identidades de gênero!
            As lutas das mulheres datam de vários séculos e muito se tem conseguido. Mas não se pode negar que ainda temos muito que conquistar, e muito por ser respeitado. Sabe-se inclusive do longo caminho dentro da esquerda radical (considerando as mais diversas vertentes) na qual as mulheres tem lutado por deixar de ser a proletária do proletário, ou a escrava do homem escravo. Mesmo em meios reputados progressistas, os costumes e a educação dadas às crianças e adolescentes (principalmente às meninas), esbarram nos preconceitos sexuais e sexistas da sociedade patriarcal.
            As diferenças tem sido muitas vezes destacadas. As feministas clássicas já demonstravam amplamente que os meninos aprendem “a não brigar com a sua irmã”, mas sim a se defender e atacar, a não ter comportamentos afeminados, utilizar (ou não) algumas palavras, evitar chorar. As meninas, no entanto, aprendem a não correr ou brincar nas árvores, e sim a brincar com bonecas, objetos domésticos... Quantas vezes não vimos alguém tentando ensinar a uma menina a passar a vassoura, cozinhar, limpar, sem se preocupar de fazer a mesma coisa com o menino? Nós mulheres, aprendemos a falar baixo, a não se queixar, a aceitar o que é dito, a sermos obedientes. Aprendemos a não falar palavrão, e não fazer as coisas que são “de meninos”. Longe de ser questionada pela sociedade, a determinação dos gêneros é naturalizada e os comportamentos são impostos em função dos sexos biológicos.
            Alguns dirão que a solução está em ensinar a delicadeza e os comportamentos “femininos” aos homens, pois assim todos seriam delicados, frágeis e tod@s viveríamos em paz. Isso é falso e absurdo! Primeiro, porque seguiríamos no marco dos comportamentos impostos; segundo, porque os comportamentos “femininos” seguem são uma invenção social que busca a manutenção de comportamentos de sossego e submissão.
            A agressividade sim, é parte da natureza humana. Quem de nós nunca teve raiva e bateu forte na mesa? Quem de nós nunca gritou? Quem de nós, em algum momento, ficou enfurecid@ diante de uma situação de injustiça? O sentimento de revolta é de fato um sentimento humano. Ensinar a passividade a tod@s indiferentemente, sem ensinar o uso da agressividade, não nos leva a nada se não ao mesmo: generalizar comportamentos passivos e indiferentes em nome da “paz social” e, sobretudo, a manutenção da ordem social vigente: desigual e injusta.
            A violência não é para ser usada de maneira indiferente ou generalizada. Não esqueçamos que diante de críticas que caracterizam nosso movimento de violento, temos sempre respondido que as atitudes são uma reação agressiva ante uma ação violenta. À coerção constante, à violência do capitalismo e suas imposições que nos obriga a participarmos de um sistema opressor que nos ignora, responderemos com força, agressividade e determinação!
            Por outro lado, notamos que mesmo demonstrando aos homens a importância do uso pontual da delicadeza e da submissão, esquecemo-nos de demostrar o uso pontual da violência para as mulheres. Assim reproduzimos um acesso limitado, sexista e desequilibrado ao uso da força. E com isso, deixamos às meninas a posição de vítima e, em realidade, a todas/os aquelas/es que sofrem por não corresponder a perspectiva binária de gênero (ser homem ou mulher) e que muitas vezes são bodes expiatórios de todos os males sociais.
Frente a isto é facilmente compreensível que consideremos que todo ser humano deve ser capaz de saber usar a força e a violência. Para se defender, e para atacar. Saber agir num dado momento, pra se defender, e deixar de achar que sempre haverá algo ou alguém que o fará no nosso lugar, por nós e para nós.
Escolher representantes não nos salvará dos insultos, das humilhações ou dos golpes; permitir que a nossa segurança dependa do macho da família, seja ele namorado, pai, ou irmão, não resolve nada, tampouco quando estamos em risco – tantas são as mortes de mulheres, que depois de mortas, não há socorro patriarcal que a salve! Sem falar que a maior porcentagem das agressões são realizadas no círculo das pessoas mais próximas.
Não são poucas as mulheres que, depois de uma agressão ou qualquer ato de violação, procuram um homem pra defendê-las. Nestes casos, é comum os homens reagirem em defesa do que “é deles”, defendendo a “sua” mulher; ou seja, exercem o mesmo sentimento de posse que se produz quando para proteger seu carro, carteira, bicicleta, enfim, sua propriedade. Contar com um poder judiciário que pelo fato de nutrir e ostentar a ordem hegemônica, é patriarcal e machista, poucas vezes nos ajudará... no máximo, condenará o culpado – não que isto seja pouco, mas será suficiente depois de um estupro, por exemplo?
Como e em muitos casos qual é a assistência à mulher que recebemos? Não é por acaso que os meios de assistência à mulher e a forma com a qual tratam as agressões domésticas, resultam ser meios machistas e muito paternalistas. Os mecanismos legais e institucionais são espaços válidos e a serem garantidos e defendidos, mas a nossa segurança, a nossa vida e a nossa liberdade não podem nem devem depender deles. Saber agir direta e diretivamente, é saber gritar por si mesma e lutar com aquilo que de fato está sempre conosco: a nossa própria força física.
            Você mulher, lésbica, homossexual, transexual, travesti, transgênero, prostituta e prostituto,

            CONTRA A VIOLÊNCIA E A OFENSA, ORGANIZEMOS NOSSA AUTODEFESA!


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