Loreta Carpenã
Militante da Resistência Popular RS
Nós mulheres, quando somos convocadas a falar sobre nossas lutas e sobre os desafios que nos são colocados diariamente, em geral, não sabemos nem por onde começar. Mas, isto não significa que não haja assunto ou nos faltem demandas, pelo contrário, são muitos assuntos pertinentes a serem abordados e sobram as demandas!
Podemos falar dos direitos, da importância da participação das mulheres nas lutas sociais, sobre o combate à cultura machista, sobre as questões relacionadas às relações de poder e por fim, qual é nosso papel enquanto sujeitas na tão sonhada Revolução Social. De fato não é uma tarefa fácil, abordar todos estes assuntos juntos em um só texto, pois todos têm seu grau de importância e necessitam de um aprofundamento. Cada uma destas questões que apontei anteriormente carece de nós um debruçar maior e não apenas breves pinceladas. E é por isto que aqui vou me ater apenas em alguns destes temas e mesmo assim corro o risco de ser superficial em algumas de suas abordagens, entendendo que o objetivo deste texto não é ser uma receita pronta ou um “mega material teórico”, tampouco é uma opinião de organização ou movimento, mas sim um disparador, um provocante e motivador que parte de uma militante no que se refere à luta pelos direitos e libertação das mulheres das classes oprimidas em nosso acionar social.
Inicialmente é importante dizer que nós, militantes comprometidos com a causa dos oprimidos, dos de baixo, devemos sempre manter nosso olhar atento a esta importante questão que é a emancipação das mulheres da cultura machista que domina seu destino e seus corpos. Sabemos que a sociedade em que vivemos, além de capitalista, é machista e não apenas oprime as mulheres por serem os “sujeitos frágeis”, mas oprime também todos aqueles que saem da forma pré-estabelecida por suas instituições, ou melhor, por seus mecanismos de dominação e controle.
É muito fácil observar que a cultura da violência machista, chamada de doméstica, é muito forte e arraigada, não é a toa que este tema ganha destaque. No Brasil a cada dia 10 mulheres são assassinadas, vítimas dos chamados, hipocritamente, “crimes passionais”.
A cultura em geral tem suma importância na transformação da sociedade; os aspectos subjetivos com os quais ela se constitui e são constituídos são fundamentais para uma verdadeira mudança de valores. Precisar o que ela carrega para a reprodução de pensamentos atrasados e conservadores é fundamental, porém, mais fundamental ainda é o seu combate. Entretanto, não será somente com o combate à cultura que está aí, por si só, que vai garantir a nós mulheres mais liberdade e sim um conjunto de ações que tenham em vista rupturas profundas com o modelo atual de sociedade e nisto, os aspectos ideológicos são importantíssimos. Cabe aqui ressaltar que não queremos transformar a sociedade apenas com as mulheres e para as mulheres, organizadas somente com mulheres. Nós somos parte da classe oprimida e é dentro dela, fortalecendo-a, que queremos alcançar a libertação de todos os povos oprimidos e estamos dispostas a lutar diariamente para alcançar a justiça social.
Este é um ponto importante de ser abordado, pois aqui demarcamos com força nosso caráter de classe, pois nos diferenciamos dos grupos de feministas que mantêm rechaço à participação masculina neste debate, ou melhor, nesta luta. O que acabo de levantar aponta uma maior participação dos homens na luta contra a opressão das mulheres, e esta proposição abre brechas para grandes polêmicas, que sempre serão bem vindas e cabe a nós mulheres militantes libertárias perguntarmo-nos: por que não? Sabemos sim, que é importante ter espaços em que as mulheres se reúnam apenas entre si, pois não é fácil num primeiro momento falar sobre intimidades, anseios e desejos diante de todos, ainda mais quando estas mulheres estão em um contato muito inicial com uma reunião de movimento popular ou coisa do tipo. Também sabemos o quanto difícil é convocar as companheiras em um bairro, por exemplo, para uma reunião que tenha como objetivo falar sobre seus direitos e muito mais difícil seria se estas vissem um homem na coordenação da mesma. Entendemos que este não é um método apropriado, ainda mais quando acreditamos que são as próprias companheiras que devem se organizar e construírem sua autonomia. Agora, acreditar que sobre o assunto relacionado à luta das mulheres só devem participar, debater e construir somente as mulheres, a isto me refiro como errôneo. Ainda mais quando estamos falando (atuando) como movimento popular, que necessariamente se constitui com sujeitos diversos, mistos e que em seu interior precisa elevar este debate ao alcance de todos. A importância desta pauta, a luta das mulheres, deve ser sentida por todo movimento popular, pois somente assim vamos constituir uma igualdade de compreensão sobre a necessidade da mesma. Como podemos cobrar de nossos companheiros militantes libertários maiores comprometimentos nesta causa se não os buscamos para isto? Observo que esta crítica não perdoa aqueles que não fazem o mínimo esforço para ser parceiro nesta caminhada e rechaça profundamente aqueles que, ao contrário, contribuem para o fracasso de nossas peleias.
Sabemos é claro que estas práticas autoritárias e centralistas são muito mais comuns nos movimentos de massa, onde a maior parte da coordenação do mesmo se constitui por homens, e que o tema da autonomia e participação das mulheres sempre fica relegado a segundo plano. Nos últimos períodos, o que podemos acompanhar em termos de lutas sociais relacionadas às jornadas de lutas das mulheres foi grandes doses de desobediência dentro dos movimentos de massa, neste caso mais especificamente, podemos citar o movimento Sem Terra que em anos passados constituiu ações diretas de forte envergadura organizadas pelas companheiras e que enfrentou dificuldades internas em construir homogeneidade sobre o método e conteúdo de suas ações: a luta das mulheres contra todo um sistema de dominação que não se restringe ao agronegócio... Pareceu-me importante levantar este exemplo para ressaltar os muitos conflitos ainda existentes que pairam sobre o assunto da organização e luta das mulheres de movimentos sociais, de massa ou não, enfim populares.
Nós que acreditamos ser fundamental a mudança de valores culturais e ideológicos para a constituição de uma nova sociedade, nós que não cremos que são as relações produtivas da sociedade que vão determinar a transformação das relações de poder, nós que acreditamos que a mudança deve ser constituída desde abaixo, elevando as bases sólidas do poder popular, nós, o que pensamos sobre a luta das mulheres? Melhor, que fazemos nós enquanto organizações, movimentos populares para que as mulheres possam cada vez mais fortalecer sua participação e autonomia? Como destaco inicialmente aqui não cabem receitas prontas, ao contrário, as dúvidas, os anseios e as críticas são fundamentais para maiores possibilidades de acerto neste processo que se inventa e reinventa.
Devemos nós que almejamos a libertação dos oprimidos, construir não somente um discurso para as mulheres do povo, mas sim um agir que possibilite nos nossos espaços de inserção social fazer a diferença a partir de práticas onde as companheiras se sintam empoderadas das ferramentas para sua emancipação. Sei e sabemos que ainda existe uma luta por direitos que não foi alcançada, apesar dos valorosos esforços de várias gerações que nos antecederam e não falo das lutas sufragistas. Ainda é preciso levantar a bandeira da creche, cozinha e lavanderia comunitária, ainda é preciso e urgente gritar por mais saúde e autonomia sobre nossos corpos. Companheiras, ainda é importante brigar por mais educação pública e de qualidade para nossos filhos e filhas.
Para não nos distanciarmos dos urgentes anseios das mulheres do povo, precisamos lembrar que é de extrema importância lutar pelo imediato, sem deixar de lado a briga política, ou seja, aquela que aponta para onde queremos chegar, uma sociedade com liberdade. As políticas públicas fazem parte da construção deste empoderamento dos de baixo e não seria diferente para nós, mulheres, que ainda temos lutado desesperadamente pelo mínimo de condições de uma vida digna.
Nosso lugar, como oprimidas ao lado dos oprimidos, e o que podemos tomar ou criar por nós mesmas não devemos esperar como presente de ninguém. Os desafios que nos são colocados são muitos, mas muitos são também os nossos desejos de superá-los. A tarefa é organizar e fortalecer, nossa função nada mais é que instigar e fermentar as possibilidades de romper o cerco das opressões.
O resgate das datas simbólicas das lutas das mulheres são necessários, o movimento popular deve ter consciência que estas pequenas lutas, como as lutas dos 8 de março, são trincheiras vitais para o acumular de força na luta social. Cabe a todos a tarefa de fortalecer e encorajar as lutas das companheiras, colaborando em tarefas que possibilitem maior liberação das mulheres para se organizarem, ao mesmo tempo, que juntos construam às ações a serem realizadas. Queremos encontrar em nossos companheiros de luta um braço solidário nestas jornadas, o mesmo que eles encontram em nós quando fechamos uma rua para reivindicar um direito trabalhista, quando apoiamos uma greve, quando estamos juntos enfrentando a opressão do estado, quando mesmo em desvantagem gritamos em alto e bom som Justiça Social para Todos e Todas!
A revolução há de começar por baixo. E por dentro. Deixem que entre o ar na vida familiar, velha e estreita. Eduquem os filhos e filhas em liberdade e alegria. A vida será mil vezes mais harmoniosa quando a mulher for realmente uma “Mulher Livre”.
Ilse- Revista Mujeres libres n°7, VIII mês da Revolução
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