quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Legalização do aborto: uma luta necessária.



A legalização do aborto tem sido uma das principais (e a mais defendida) bandeiras de luta dos movimentos sociais feministas ou de mulheres, inserida no contexto da emancipação das mulheres e, em última instância, pela garantia dos direitos humanos. Essa luta se torna ainda mais legítima quando consideramos as condições desumanas que as mulheres que recorrem ao aborto clandestino se submetem e às reais implicações à sua saúde culminando, muitas vezes, em morte.
Contrariamente aos outros países, ainda há entraves no reconhecimento do debate sobre aborto na perspectiva dos direitos humanos, sendo este atrelado, majoritariamente, à alta incidência de mortalidade materna derivada da prática do aborto, por conseguinte, sendo tratado como uma questão de saúde pública. Desse modo, a temática ainda não é vista sob a ótica da garantia de um direito da mulher, como aconteceu nas discussões sobre a legalização do aborto nos Estados Unidos, por exemplo.
Cabe discutir aqui dois aspectos extremamente significativos (e porque não dizer decisivos) para a polêmica da legalização do aborto na América Latina: (1) a forte influência da Igreja nos assuntos que envolvem ética e moral, em que se observa uma estreita relação entre a mesma e o Estado o que, de certa forma, permite a interferência e condução dos princípios religiosos nas decisões legais. (2) A cultura machista ainda é muito marcante nas sociedades latinas que determina o modo como as mulheres são criadas e educadas, assim como as políticas de saúde voltadas para a mulher são implementadas; não é permitido à mulher o direito de decidir sobre seu corpo e sua vida, tampouco que conheça seu próprio corpo e sua sexualidade, ficando a mercê de uma gravidez não planejada e/ou indesejada.
Nos países latino-americanos e caribenhos o aborto é totalmente proibido no Chile, em El Salvador, na Nicarágua, em Honduras, na República Dominicana e em San Martín. Dentre os países que permitem o aborto sob permissivos temos, em caráter mais limitado: Paraguai, Argentina, Peru, Bolívia e Brasil; os permissivos mais amplos são em Colômbia, Uruguai e México. O aborto é permitido sem restrições nas Guianas, em Barbados, em Cuba, nas Antilhas Francesas e em Porto Rico.
Voltando-nos para o Brasil, a discussão sobre o aborto inseguro começou na década de 1980. De lá para cá, muitos foram os debates e lutas dos movimentos feministas em prol da legalização do aborto. Entretanto, esse debate sempre foi intensamente permeado pelas concepções e princípios religiosos. O ponto principal de discussão não é a questão dos altos índices de mortalidade materna causadas pelo aborto clandestino, e sim o aspecto divino do embrião. E para entender um pouco melhor como essa questão foi trabalhada no Congresso Federal é importante pensar sobre a bancada religiosa que o compõem. Em 2007, havia no Congresso bancadas específicas em “defesa da família”, quais são: a frente “Em defesa da vida, contra o aborto”, tinha apoio de 194 parlamentares; a “Frente Parlamentar em Favor da Vida”; a “Frente Parlamentar da Família e apoio à vida” com 215 membros, e a ”Frente Parlamentar contra a legalização do aborto, pelo direito à vida”, com 230 integrantes e mais 43 congressistas que figuram na bancada evangélica. Apesar da postura favorável do ex-presidente Lula em discutir a legalização do aborto (mesmo que pela vertente de problema de saúde pública), sua sucessora, a atual presidenta Dilma Rousself em sua campanha provocou um imenso retrocesso nas discussões que outrora estavam sendo encampadas no país, ao mudar da posição favorável à legalização do aborto para uma postura “a favor da vida”.
Nesse contexto, para que o debate sobre a legalização do aborto volte à tona e seja palpável (tomando como exemplo os países em que o aborto é legal, sem restrições), é indispensável que: (1) haja uma ampla retomada da visibilidade da temática na sociedade, sendo este objeto de debates nas escolas, locais de trabalho, sensibilizando as pessoas à luta pela legalização do aborto. Aqui, os movimentos sociais feministas e de mulheres devem protagonizar e fomentar esse debate, principalmente na oposição às declarações e atitudes da Igreja; (2) seja realizado um plebiscito, de modo que a opinião da sociedade seja registrada e (3) com o apoio dos movimentos sociais de “minorias” (movimento de mulheres, homossexuais, etc.), deve-se criar fóruns nacionais de debates, tendo vistas à elaboração de um projeto de lei (PL) propondo a legalização do aborto para ser votado nas diversas instâncias legais do Estado. Lembrando que estas são estratégias disparadoras (e não um fim) de um projeto muito maior, que perpassa a libertação da mulher – a libertação humana.
Ao apresentar nossa luta temos que deixar claro que a proibição da prática do abortamento não impede que a mulher decida e o faça, mesmo que sob condições precárias. Ainda mais, legalizar o aborto não significa que todas as mulheres optarão por fazê-lo, tornando-se uma prática banal. Em estudo feito em Portugal, onde o aborto é legal desde 2007, mostrou que das mulheres atendidas num serviço de saúde para fazer o aborto, a avaliação da médica é de que as mulheres já chegavam ao serviço decididas; e, embora a médica considerasse que era relevante o aconselhamento, a própria mulher não o queria.
Para a mulher a escolha por um aborto não é uma decisão simples, envolve um “auto-dialógo” em que, quando ela procura os serviços, na sua maioria já tem clareza da escolha e do que isto implica. Não achamos que o aborto seja bom, nem que o mesmo deva ser feito a todo custo, apenas que ele possa ser praticado por mulheres que assim decidirem, sem que as mesmas sejam criminalizadas, constrangidas e expostas a riscos totalmente evitáveis, que é pior.
Não somos ingênuas em acreditar que uma lei irá dissipar toda a tensão que permeia a temática. Não basta então somente legalizar o aborto; é indispensável o fortalecimento de políticas de saúde voltadas à educação sexual e reprodutiva, de modo que as mulheres adquiram conhecimento sobre seu corpo e sua sexualidade. Ainda mais, é preciso lutar cotidianamente e coletivamente contra a cultura machista e patriarcal que impera em nossa sociedade!

Coletivo Mulheres Resistem
28/09/2011 -
Dia Latino-Americano e Caribenho pela
Descriminalização e Legalização do Aborto
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